MEDITANDO NO TRABALHO MISSIONARIO

Depois disto ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Então disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim.

Isaías 6:8

domingo, 15 de abril de 2012

CONFISSÕES DE FÉ? CREDO!


por Josaías Jr.
Tem coisa mais fora de moda que credos e confissões? Sim. Falar sobre eles. Ou ler sobre eles. Entretanto, semana passada, falei sobre o assunto em um pequeno grupo (mesmo eu sendo batista e a maioria do grupo ser de presbiterianos – bendito e curioso Evangelho que nos une) e compartilho com vocês uma aula que fiz sobre o assunto.
Sei que o assunto deve parecer chato para alguns, mas num mundo em que o interessante são os romances de Felipe Dylon, Luan Santana e Latino, vale a pena gastar um pouco de tempo sendo fora de moda.
Note que escrever isso também foi um exercício para mim, uma vez que não venho de um contexto confessional. Assim, os argumentos e objeções que levanto aqui também são meus, porque aceitar ou não o uso de credos e confissões – simplesmente por costume ou por moda – não é a melhor forma de lidar com o assunto.


O que é uma confissão de fé?

As confissões e declarações de fé são documentos criados pelas igrejas para expor sistematicamente as doutrinas defendidas por elas. Essas declarações de fé por muitos anos foram o texto utilizado para estudos bíblicos e discipulados dentro das igrejas. Nas palavras de Philip Schaff: “Um Credo, regra de fé ou símbolo é uma confissão de fé para uso público, ou uma forma de palavras colocadas com autoridade… que são consideradas como necessárias para a salvação, ou, ao menos, para o bem-estar da igreja cristã”.
Em geral, não existe tanta diferença entre um credo, uma confissão ou uma declaração de fé, embora os credos, normalmente, sejam mais curtos, enquanto as confissões expõem mais detalhadamente as doutrinas bíblicas.

A confissão de fé na Bíblia

Muitos pensam que a prática da igreja de fazer esses declarações não vêm da Escritura. Entretanto, encontramos na Bíblia algumas declarações simples, que eram utilizadas como afirmação daqueles que se uniam como/ao povo de Deus. Por exemplo, já no Antigo Testamento, temos a oração conhecida como Shemá (que significa “ouve”), feita pelo povo judeu até hoje.

“Ouça, ó Israel: O SENHOR, o nosso Deus, é o único SENHOR.” (Dt 6.4)

Podemos crer que tanto Jesus quanto seus apóstolos conheciam essa declaração, recitada em sinagogas a cada reunião. No Novo Testamento, vemos algumas dessas declarações entre a igreja primitiva.
“Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze.” (1Co 15.3-5)
“Não há dúvida de que é grande o mistério da piedade: Deus foi manifestado em carne, justificado no Espírito, visto pelos anjos, pregado entre as nações, crido no mundo, recebido na glória.” (1Tm 3.16)

Além disso, alguns entendem também que a declaração “Jesus é o Senhor” era um tipo de confissão da igreja primitiva (Rm 10.9,10 e 1 Co 12.3).  Outro texto relevante para essa questão é a conversa entre Jesus e os discípulos, em que o Senhor espera que eles respondam sobre sua identidade (Mt 16.16). Certamente Jesus sabia o que se passava no coração dos discípulos, mas a confissão pública , “a boca que faz confissão” (Rm 10.10), tinha seu valor.
A Bíblia valoriza a confissão pública de fé, não como algo que pode nos salvar, mas como parte da vida do cristão e evidência da salvação. O pecado de Pedro, durante o julgamento de Cristo, foi justamente a falta de coragem em declarar que ele seguia a Jesus – mesmo que, em seu coração, ele cresse naquele homem (ainda que de maneira débil ou mesmo superficial). Certamente, o texto não está nos ensinando a sistematizar a fé de maneira como fazemos hoje, mas deixa claro que uma declaração pública tem seu valor pelo testemunho diante dos homens.

A confissão de fé na História

Com o passar dos anos, a igreja, sofrendo ataques de doutrinas contrárias à Palavra de Deus, viu-se na necessidade de constituir o que chamamos de credos: declarações resumidas das doutrinas cristãs básicas. Entre os mais famosos temos o Credo Apostólico, que popularmente é associado aos apóstolos (algo questionável, mas sabe-se que era usado no segundo século pelas igrejas de Tertuliano), e o Credo Niceno, formulado em 325 d.C, a fim de combater heresias antitrinitarianas.

Confissão de Fé de Westminster

Após a Reforma Protestante, os crentes não-católicos precisaram também sistematizar e formalizar suas doutrinas. Assim, surgem as confissões de fé protestantes, sendo a primeira delas a Confissão de Augsburgo (1530). Depois disso, vieram muitas outras como a Confissão Belga (1561), a 2a Confissão Helvética (1566) e a Confissão Escocesa (1560). Entre as igrejas presbiterianas, a , Confissão de Fé de Westminster (1646) é a mais aceita e reflete de maneira mais clara a teologia calvinista. Essa confissão não apenas influenciou e guiou igrejas presbiterianas, mas foi base para outras confissões, como a Confissão Batista de Londres (1689).
Atualmente, porém, a prática de confessar ou declarar a fé se torna cada vez menos comum entre as igrejas. Poucas levam a sério a prática de ensinar e publicar sua confissão ou credo, e a maioria dessas poucas ainda prefere usar textos mais genéricos (como o Credo Apostólico) a fim de não parecer excludente. Como consequência, poucos crentes dedicam-se também ao estudo e ao ensino dessas verdades.
Diante dessa situação, devemos realmente repensar o motivo de termos essas confissões ainda. Para isso, vejamos algumas objeções mais comuns à essa prática e, em seguida, apresentaremos bons motivos para continuar usando tais documentos.

Objeções às confissões de fé

1) As confissões tomam o lugar da Bíblia: É verdade que isso aconteceu durante a história da igreja, como, por exemplo, os credos da igreja católica que tornaram-se dogmas inquestionáveis, acima do ensino bíblico. Entretanto, não é esse o caso das confissões de fé protestantes. Elas nunca se colocam como Palavra de Deus ou acima dela.
Heber Campos explica a diferença entre os termos normas normans (“regra que regula”) e norma normata (“regra que é regulada”). No caso das confissões protestantes, adotamos a segunda opção, ou seja, a confissão, como criação humana, é regulada pela Bíblia. Por outro lado, a Bíblia é regra que regula nossas confissões. Veja o que diz a Confissão de Westminster:
O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo em cuja sentença nos devemos firmar não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura. (Mt 22.29, 31; At 28.25; Gl 1.10)
2) As confissões não são encontradas na Bíblia: Como vimos, temos diversas passagens bíblicas que derrubam essa objeção.
3) As confissões deixam a fé complicada: Alguns entendem que a fé é tão simples que uma criança pode entender. Em parte, essa afirmação é correta, porém, o próprio apóstolo Pedro diz que existem assuntos complicados na própria Bíblia (2 Pedro 3.16).
Ainda assim, apesar de uma confissão parecer algo intimidante à primeira vista, ela acaba sendo útil para o cristão que quer encontrar uma sistematização simples das doutrinas bíblicas, sem precisar recorrer a um grande volume de teologia sistemática, por exemplo.
4) As confissões são uma camisa de força: Essa objeção baseia-se mais em uma pressuposição de que Deus tem mais a nos falar que aquilo revelado em sua Palavra. As confissões de fé propõem-se apenas a explicar o que a Bíblia diz, e se a Bíblia não vai além em certos assuntos, a confissão não deve ir também.
5) As confissões provocam divisão e conflitos: Em geral, as confissões e credos surgem da necessidade de resolver conflitos com heresias e outras crenças, logo promovem a paz. Da mesma forma, elas servem como identidade de uma igreja, trazendo unidade em torno de uma expressão da fé.
Não negamos que possam haver divisões por causa de certa declaração, mas normalmente isso envolve ou 1) o mau uso da confissão,  elevando ela acima do Evangelho, ou 2) na defesa do Evangelho, quando é necessário que a igreja tome certa posição (por exemplo, aqueles que não aceitam o Credo Apostólico ou Niceno são, de fato, excluídos da igreja).
6) A confissão deve ser algo pessoal: A confissão pode ser pessoal e mesmo pastores discordam de um ponto ou outro. Elas não são impostas sobre as pessoas (ainda que alguns desejem isso). Entretanto, é natural que pessoas reunidas em certa comunidade cristã acabem concordando em diversos pontos e sintam o desejo de declarar essa fé conjunta.
Essa objeção também pode trair um problema na pessoa que a levanta: pode representar alguém individualista, que coloca seus pensamentos e experiências como autoridades finais ou que não consegue viver uma vida em comunidade.
7) As confissões estão fora de moda: Um bom motivo para pensarmos em usá-las. Não porque devemos ser contra nosso tempo, mas porque não podemos engolir todas as modas e costumes de nossa era sem alguma reflexão. Esse argumento pode revelar a superficialidade de quem o levanta, uma preocupação maior com padrões seculares que com a história e a saúde da igreja.
8) As confissões não são garantia de ortodoxia/ortopraxia: De fato. Assim como um muro, uma porta fechada, um alarme não são garantias de que uma casa não será assaltada, mas são meios para que isso não aconteça. As confissões não garantem uma igreja ortodoxa, mas mostram-se muito úteis para esse propósito.


Por que usar confissões de fé

1) Historicidade da fé: As confissões de fé nos ligam aos nosso pais na fé. Em um tempo de “esnobismo cronológico” (expressão de CS Lewis para o desprezo pelo que não é novo), as confissões e os credos nos mostram a sabedoria das eras passadas, além de mostrar que cremos em um Evangelho firmado na história.
O Credo Apostólico pode ter surgido entre os primeiros cristãos, aqueles que estavam mais próximos de Cristo ou aqueles que conviveram com os apóstolos. O Credo Niceno nos mostra a luta pela doutrina na Trindade. A Confissão de Westminster nos lembra a devoção dos reformados aos princípios bíblicos.

2) A natureza da igreja como um grupo em torno de um padrão de referência: Não somos simplesmente uma reunião de pessoas, somos o povo de Deus, que foi chamado por meio da pregação do Evangelho. Esse Evangelho diz respeito a quem é Deus, quem é Cristo, quem é o homem, o que é a igreja, etc. Se não nos unirmos em torno dessas verdades, estaremos nos unindo em torno de outra coisa. Se a identidade da igreja não se basear na Palavra de Deus, ela se baseará em outras pressuposições. Assim, os credos e confissões nos auxiliam a entender quem somos e a apresentar aos outros a nossa identidade em torno de Cristo.

3) Ataques de heresias e outras religiões: Como vimos, muitos credos e confissões surgem do desejo de combater falsos ensinamentos que surgiram na igreja. Eles também servem para nos diferenciar de outros grupos religiosos. Por exemplo, como saber se um mórmon pode ser considerado meu irmão ou não? Qual a diferença entre um espírita e um evangélico? O credo nos auxilia a combater e identificar falsos ensinos.
Em geral, igrejas que não assinam qualquer confissão de fé acabam tornando-se mais vulneráveis a ataques sutis, como confusão entre as duas naturezas de Cristo, entre as pessoas da Trindade, sobre o papel das obras na vida do crente ou aceitam ensinamentos não-bíblicos como verdadeiros – por exemplo, a negação da soberania de Deus, revelações de anjos, técnicas seculares de crescimento, etc.

4) Pluralismo do tempo presente: Vivemos em um mundo que defende todas as crenças e opiniões como igualmente corretas. Os credos se colocam contra essa ideia, afirmando que existe, sim, uma posição que a igreja deve tomar como verdadeira, o que significa, consequentemente, que todas as outras são distorções ou negações dela.
5) Experiencialismo: É comum vermos certos cânticos antibíblicos tornarem-se moda na igreja e parte inquestionável do culto. Muitas vezes, isso acontece porque eles “marcaram” alguém em certa situação. Da mesma forma, a visão de um pastor pode tornar-se lei em uma igreja, mesmo que princípios bíblicos sejam derrubados por isso. Isso se deve pela falta de “muros doutrinários”.
Sem as confissões e os credos, as “revelações” e experiências podem ganhar status de autoridade final. Muitas igrejas acabam transformando essas situações naquilo que chamamos mais acima de “regra que regula”. Uma confissão, quando ensinada como “regra regulada”, pode conter esse tipo de confusão em que muitas igrejas acabam adentrando.
6) Pureza da doutrina: Pedro nos diz para explicar a razão da nossa esperança àqueles que perguntam. Judas escreve para que seus leitores proteger diligentemente pela fé um dia entregue aos santos. Paulo nos chama a lutar pela fé. Sem sabermos que fé e esperança é essa, pelo que batalharemos e como a explicaremos? As confissões nos auxiliam a entender aquilo em que cremos.
7) Ensino aos neófitos: A confissão se mostra uma ótima maneira de expor a fé tanto a crianças “naturais” quanto a crianças na fé. Ela pode ser um dos primeiros passos para o neófito aprender mais sobre sua salvação, para fortalecer sua convicção e prepará-lo para o testemunho público. Tenho boas recordações de como a Confissão Batista de Londres me ajudou a compreender melhor a teologia reformada. Posso dizer que uma pequena parte da existência do iPródigo deve-se a esse estudo :)
8) Testemunho da fé: Uma igreja deixa claro em que ela crê e o que a une quando confessa publicamente isso. Tanto incrédulos quanto cristãos saberão o que move esse grupo e por que ele é o que é.
9) Meios de estudo: Não apenas os neófitos se beneficiam dos credos e confissões, mas muitos estudiosos escreveram livros baseados neles. Por exemplo, temos o livro Creio, de Michael Horton, baseado no Credo Apostólico, e o Comentário à CFW, de A.A. Hodge.
10) Exortação, Correção e Último recurso: Os credos e confissões podem ser usados como sinalização para que as ovelhas analisem o que está sendo ensinado nas igrejas, como faziam os bereianos. Eles são úteis para corrigirem pastores e mestres, caso eles estejam se desviando da fé. E servem como um recurso final se essa causa for julgada em uma instância mais alta que a igreja local.
Postado por Josaías Jr em 04 de maio de 2011 em:http://iprodigo.com/textos/confissoes-de-fe-credo.html

Bibliografia e mais informações
The Need for Creeds and Confessions – por Rev. Brian Garrard
A Relevância dos Credos e Confissões – por Heber Carlos de Campos

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